Como estruturar Business Intelligence em um departamento jurídico e como eles podem ajudar nas decisões estratégicas do negócio?

Os processos judiciais passam por uma intensa transformação, desde o sistema de gestão dos departamentos jurídicos até a digitalização dos procedimentos nos tribunais e fóruns, essa recente transformação está permitindo aos diretores jurídicos começarem a pensar na criação de programas de Business Intelligence, data lakes, indicadores e painéis de Gestão à Vista.

Esse artigo pretende apresentar os passos iniciais para estruturação de um programa de Business Intelligence nos departamentos jurídicos, vale lembrar que esses são os primeiros passos a serem dados na caminhada de um programa de excelência e maturidade de BI.

Passo 1: Acesso ao Business Intelligence

Business Intelligence, popularmente conhecido pela sigla BI, não é apenas buzzword. Áreas de BI aparecem nas empresas relegadas ao conceito de simples geradoras de gráficos, entretanto Business Intelligence extrapolam o conceito de apresentar apenas uma leitura gráfica dos dados.

Business Intelligence é um processo baseado em tecnologia que analisa dados de diversas fontes para a tomada de decisões, podendo suportar os mais variados níveis de uma organização, de executivos até gerentes de operações. BI é a publicação estruturada de reports, dashboards e views. As ferramentas de BI são usadas para medir a efetividade de uma estratégia direcionada por dados de uma corporação e identificar ações que estão tendo maior sucesso em entregar resultado.

Segundo estudo realizado pela BARC (Business Application Research Center) com 2.600 gestores de áreas de negócio, demonstrou que 64% acreditam que ganharam velocidade em planejamento com o programa de estruturação de BI e 49% ganharam qualidade nas tomadas de decisões já no 1º ano de implantação.

Para departamentos jurídicos três aspectos em relação ao acesso à BI são importantes:

1.       A captura de dados completos sobre as demandas judiciais

2.       A digitalização das informações de cobrança dos escritórios e prestadores de serviço

3.       A utilização de ferramenta que torne possível a combinação de diferentes fontes de dados e gerar reports

Passo 2: Comprometimento com a Integridade do Dados

Ainda segundo a BARC, em seu estudo BI TREND MONITOR 2020, a cultura direcionada por dados, em inglês data-driven culture, aparece em 3º lugar de importância para as companhias quando o tema se trata de Business Intelligence.

Os aspectos relevantes para garantir a integridade de dados são:

1.       Todos os campos de dados a serem coletados precisam estar definidos

2.       A população de dados precisa ser assertiva e precisa estar alinhada com sua definição

3.       Os dados precisam ser consistentemente imputados sempre que estiverem disponíveis

A definição dos campos de dados é complexa e gera um grande tempo consumido planejamento. Empresas que pulam essa importante etapa normalmente falham em implantar um programa de business intelligence.

A definição dos campos de dados não é óbvia, sendo necessária uma discussão profunda para haver o alinhamento entre a equipe que utilizará os indicadores, por exemplo, para um tipo de ação de uma área do direito, está clara a definição do conceito tipo de ação? Quais as variações de um tipo de ação que deveriam ser consideradas?

Outro exemplo clássico é quem deve constar como réu ou reclamada, o conceito será a unidade que está sofrendo a ação ou o centro de custo corporativo responsável por pagar os custos desse processo?

O conceito de certo ou errado para a definição de campos não é tão binário, esse conceito pode variar conforme o modelo de gestão de cada empresa. Entretanto, vale ressaltar que o conceito de cada campo deve estar alinhado entre todo o departamento jurídico e servir de maneira ampla para todas as áreas do departamento.

Ao criar as definições dos campos, sempre faça o exercício de empatia de se colocar no lugar do responsável por imputar os dados nos sistemas, assim é essencial manter as definições de forma clara e criar dicas de preenchimento para a integridade dos dados. Sistemas de gestão jurídico possuem telas de cadastro de dados que auxiliam a manter a acurácia dos dados. As definições dos campos devem priorizar sempre opções fechadas de seleção, exemplo lista de escolha ou seleção de checkbox em detrimento de campos abertos para digitar.

O desenvolvimento e manutenção das telas de inserção de dados é um processo de melhoria contínua, sempre objetivando gerar novos insights e melhorar a integridade dos dados. Nesse processo de melhoria contínua é importante ouvir os usuários, dos escritórios e da empresa, e assim, desenvolver planos de treinamento ao desenvolver novos campos de captura.

A integridade dos dados é comprometida quando existem falhas na entrada de dados ou nas atualizações mesmo que as definições tenham sido bem realizadas. Se uma das importantes análises a serem feitas da base de processos é a fase em que se encontra os processos, sendo constatado, por exemplo, que em um a cada quatro processos não existe o preenchimento do campo fase ou que está desatualizado, qualquer indicador ou métrica reportado utilizando esse dados poderá ter séria incongruência com a realidade. E como conclusão, a captura dessa informação é anulada e a confiança das análises geradas pelo departamento legal é comprometida.  

Existe um balanceamento ideal entre captura e manutenção do conjunto de dados completos correlacionado ao tempo, aos recursos e à disciplina necessária para manter a quantidade, qualidade e completude dessa informação. Assim, existe um importante parâmetro de definição a respeito de quais são as informações que o seu departamento deve capturar considerando seus processos e procedimentos internos e os recursos para a entrada de dados.

Quando pensar na integridade de dados, considere:

1 – A captura dos dados que estarão refletidas nos reports existentes. Se certifique que a informação histórica tenha propósito, colocando como objetivo melhorar o que já existe.

2 – A captura dos dados frequentemente necessários, mas dispostos de maneira confiável. Alguns campos nos sistemas não são obrigatórios, entretanto o fato de existir inclusão mesmo como opcional, sugere que alguém em algum ponto considerou um dado relevante a ser capturado. Avalie se esses campos podem se tornar obrigatórios, pelo menos para a condição que foi considerada importante a ser armazenada.

3- A capture dos dados os quais você deseja utilizar como segmentação de reports. Isso sugere que se um campo que serve de segmentação para dado, este campo deve ser obrigatório. Por exemplo, se você deseja avaliar processos qualificados por advogado da empresa, o campo de coleta dos advogados deve ser obrigatório. As discussões de segmentação de dados podem ser extraordinariamente ricas para insights em todo o departamento.

Passo 3: Utilização Efetiva da Segmentação de Dados

O conceito de segmentação de dados de maneira efetiva permite o uso da informação de forma mais eficiente. Por exemplo, as informações sobre assuntos legais envolvendo contratos diferem das informações sobre contencioso judicial, as quais diferem ligeiramente da arbitragem, e as quais diferem das notificações, fiscalizações e etc. Assim como o controle de custo e os resultados são avaliados de maneira diferente em cada uma dessas áreas, a segmentação de dados auxilia a diferenciação de estratégia e métricas desenhadas para cada grupo. Isso faz com que a estratégia e as métricas relevantes sejam focadas em um conjunto de dados específico. Seguem algumas sugestões de segmentações relevantes:

I.                     Segmentação de Processos:

Todos os processos já possuem informações associadas a eles. Essas são as informações do campo de dados capturados em um sistema de gerenciamento jurídico corporativo. Alguns exemplos de campos são tipo de assunto, gravidade do assunto, data de distribuição, data de encerramento, valores requeridos, escritório patrono, advogados internos, entre outros. Assim cada um desse dados podem ser correlacionados e segmentados em clusters menores. Exemplo segmentação de processos distribuídos nos últimos 12 meses do escritório X, segmentação da duração do processo por tipo de assunto, segmentação da gravidade do assunto por valor requerido e etc.

Business Intelligence permite criar a clusterização de um alto nível de informação até uma visão granular dos dados. Permitindo adaptar a visão para a audiência e gerar reports que gerem os indicadores que cada um deles precisem ver. O mesmo conjunto de dados pode ser usado para todos os níveis gerenciais, convêm apenas alinhar quais são as informações importantes e relevantes para cada audiência.

II.                   Segmentação Financeira

As visões financeiras possuem o objetivo de mapear os custos e projeções de perda dos assuntos jurídicos conforme segmentações já tratadas acima. De maneira mais ampla, as capturas de dados devem considerar todas as saídas e entradas de valores em cada processo. Como por exemplo, devemos considerar todos os custos de depósitos recursais realizados, custas processuais, custos do escritório patrono, despesas de equipe interna por assunto jurídico, entre outros dados que podem ser capturados durante a vida de um processo.

A tendência de aportar uma visão financeira é valiosa à corporação como um todo, por exemplo, consegue-se ver tendências de alta dos valores dos processos por tipo de assunto, consegue tomar uma decisão mais assertiva do momento ótimo para encerrar um processo. Os gerentes jurídicos de posse de informações podem identificar e principalmente priorizar as ações necessárias com sua equipe e escritório.

III.                 Segmentação de Tempo

A clusterização do tempo é útil porque demonstra alterações em relação a cada assunto jurídico, como idade do processo, custo de manutenção do processo, número de processos distribuídos ao longo do tempo. Essa segmentação pode demonstrar as visões de ano-contra-ano, mês-contra-mês, trimestre-contra-trimestre e etc. Importante observar o ciclo sazonal esperado da operação do seu negócio, inclusive pode ser um poderoso insight para tomada de decisões.  

Fatores Chaves de segmentação:

- A segmentação de Processos trará informações importantes de todo seu departamento, demonstrando claramente quais são os direcionadores de resultados;

- A segmentação Financeira trará informações ativas, explicará porque os resultados estão ocorrendo e proverá informações detalhadas sobre a operação de seu departamento;

- A segmentação de Tempo revela a performance, demonstrando como está a evolução de seus assuntos ao longo do tempo e como a demanda do departamento jurídico está mudando ao longo do tempo;

Passo 4: Usando e Abusando das visões e reports

Você deve começar a gerar reports para apresentar e entender melhor como está a performance do departamento jurídico, mas antes de sua empresa gastar tempo e dinheiro criando reports específicos, observe com atenção e categorize os reports. A categorização permitirá identificar o propósito e quais serão os leitores de cada report.

Acreditamos que esse passo é tão importante de um programa de Business Intelligence dentro do jurídico quanto os demais já apresentados, nesse momento é que será comunicada toda a informação do departamento jurídico.

Listamos abaixo alguns tipos de reports:

a.       Relatórios Executivos: são relatórios direcionados para o CEO, conselho ou heads das áreas da empresa que devem possuir conhecimento dos principais assuntos dentro do departamento legal;

b.       Relatórios de Performance: identificam quem está responsável pelas iniciativas de ganho de performance e avalia se as estratégias adotadas estão funcionando. O aumento ou a baixa de performance também deve estar refletido em relatórios executivos;

c.       Relatórios de Exceção: auxiliam a identificação imediata de assuntos não esperados dentro do âmbito normal da operação e deve facilitar a definição de um plano de ação para o risco apresentado;

d.       Relatórios Combinados: devem agregar diferentes métricas em relação a um particular assunto para prover informações relevantes, auxiliando a medição de performance e o desenvolvimento de uma estratégia; e

e.       Relatórios Analíticos: devem testar hipóteses para identificar oportunidades para otimizar a performance.

O propósito de cada visão e de cada indicador dentro de uma visão deve estar plenamente e claramente comunicado para todos. Enquanto relatórios executivos devem ser usados dentro de todo o departamento jurídico, essencialmente de maneira descritiva e informativa. Você precisa saber aonde estão seus maiores custos, quantos assuntos e quais os tipos de causa raiz estão dentro de sua base de processos. Então, os relatórios executivos têm o papel de apresentar concisamente as informações e os indicadores de performance do departamento, mas para mudar os resultados apresentados nesse relatório, seu departamento precisa aprofundar-se de maneira exaustiva nas outras categorias de relatórios.

Cada tipo de relatório deve permitir a criação de um plano de ação, se for o caso. Quando estiver criando as visões, relatórios e métricas, pergunte quais ações e resultados são desejados a serem gerados e use o tipo de relatório mais efetivo para atingir o seu resultado

Passo 5: Engajamento da Gestão Sênior Jurídica

As ações acima não terão resultado efetivo sem uma implantação estruturada e bem construída. Tanto a implantação quanto o sucesso final desse programa de estruturação de dados no departamento jurídico necessitam de uma integração entre capacidades técnica, jurídica e de gestão.

A gestão sênior do departamento precisa estar convicta que o uso de indicadores, dashboard e reports podem melhorara performance do departamento e fazem parte integrada da cultura do departamento e da evolução de performance do departamento. A gestão sênior do departamento precisa garantir a alocação apropriada de recursos dedicados a implantar e operar o programa, melhorar e manter os indicadores. Além desse ponto, a gestão sênior do jurídico é responsável por realizar e garantir a gestão da mudança de maneira adequada. O time precisa adquirir um conhecimento analítico, experiência de gestão, conhecimento dos processos dentro do departamento jurídico e conhecimento de desenvolvimentos de reports.

Finalmente, a implantação de programa de BI deveria ser considerada como metas de negócio para gestores, advogados internos e os escritórios parceiros. Em um mundo onde dados são cada vez mais fáceis de serem coletados, estruturados, a célebre frase de Peter Drucker nunca se fez tão necessária de ser relembrada: “Se você não pode medir, você não pode melhorar”. Assim se os indicadores e métricas estão claras e maduras, os planos de ação de melhoria de performance podem ser estruturados e os ganhos de performance irão aparecer de forma significativa em seu resultado.

Daniel Betton da Silva

Sócio da Impact e Consultor de Empresas